Não há como fugir do tema. Seja contra, a favor ou ainda a escolher um lado, esse assunto tem tomado o espaço público e privado dos brasileiros, ultimamente.

No momento em que se texto está sendo escrito é possível fazer algumas observações, mas não é possível traçar diagnósticos sociais, ainda. Quem sabe se nas próximas semanas ou, mais propriamente, nos próximos anos será possível entender de forma mais completa o que está acontecendo e/ou acontecerá.

Contudo, as observações podem ser feitas entendendo que as mesmas poderão mudar ao longo de todo o processo.

O que chama a atenção nas manifestações espalhadas pelo país é a faixa etária dos manifestantes. No geral, são jovens, entre 20 e quase 30 anos. Há quem afirme que são predominantemente de classe média, estudantes e que tem tempo para poder protestar, mas não estou interessado na especificidade para além da faixa etária nesse texto.

Diante do público que, supostamente, é a maioria destaca-se que esses brasileiros são nascidos entre a metade da década de 1980 e a metade dos anos 1990, ou seja, são os primeiros filhos da democracia no país. Isso é fundamental e ainda pouco explorado pelos meios de comunicação e pelos especialistas.

Lembremos que há poucas décadas o país estava preso em um sistema de regime militar e, dentro desse período, instaurou-se a ditadura militar. Assim sendo, os manifestantes de hoje não são aqueles que lutaram contra os militares fazendo o sistema antigo ruir.

Essa geração que está indo às ruas têm suas peculiaridades e muitas delas se apresentam na manifestação. Entre elas, a difusão do movimento, a insatisfação contra o sistema político vigente e o mal-estar contemporâneo.

Em relação ao primeiro é notável que o movimento não tem um único foco, não se trata de um único foco, são múltiplos os questionamentos, os desvelamentos das faltas cometidas pelos governantes ao longo da implementação da democracia no país, cuja idade é inferior a 30 anos.

A geração que sai às ruas atualmente é múltipla, não por ter extensa liberdade de expressão ou, principalmente, por vastos e diversos modos de viver, mas sim, múltiplas em seus quereres individuais e de seus grupos ou tribos, como algumas são chamadas.

Entendo que as multiplicidades não são tão grandes como se imaginam, pois, uma visão mais atenta logo se dá conta de que as ditas liberdades existentes já são de antemão capturas pelo capitalismo tardio, o qual consegue transformar tudo em mercadoria. Nesse sentido, sigo muito autores que dizem sobre a disponibilidade de meia dúzia de conceitos prêt-à-porter compráveis em lojas – e isso com grande pesar. Mesmo assim, há a crença de que são livres no pensar, no agir e no querer; caso não se reconheçam assim, põe-se em seu direito de manifestar em prol de um direito que julgam não ter.

Como toda manifestação essa também se destina a apontar as falhas dos governantes. Parece que há uma fértil diferença entre outras manifestações, a qual se não vigar será uma pena, a saber: o esgotamento em aturar o sistema político brasileiro que se mantém as custas da corrupção. Por muitas décadas, entre os vários sistemas adotados pelo país, o brasileiro esteve refém da lógica de operacionalização da corrupção. Claro é, entre todos, que a maioria de nós já operou, opera ou operará pela corrupção pela via da micropolítica.

A terceira característica, dentro desse único ponto de observação levantado, é o mal-estar contemporâneo. Para tocar nesse tema é necessário dividi-lo em dois: o mal-estar e o contemporâneo. Ao primeiro, Freud já dedicou um grande texto com o qual discute sobre várias vertentes da vida em sociedade. Resumidamente, pode-se dizer que a vida social, em qualquer época e lugar, conduz seus viventes a se depararem com algo que sentem que não vai muito bem, seja na esfera pública e/ou privada, e para tal não haveria nem remédio tampouco solução.

Para se falar do contemporâneo se faz necessário lançar mão de alguns recortes do nosso cotidiano. Pode-se citar:

– a insatisfação com as politicas públicas, principalmente, em educação, saúde e segurança. Diretamente ligado a isso há a insatisfação com os políticos;

– a descrença de que o sistema político brasileiro, que é a democracia representativa, está sendo capaz de atuar em prol dos desejos e anseios da maioria da população;

– a irritação com o modus operandi nacional da corrupção, já que essa parece a prática mais comum adotada pelos governantes. Infelizmente, na política do cotidiano com seu vizinho, colega de trabalho e etc. estamos atravessados por esse modo de se portar e, assim, as pessoas esquecem-se de que muitas vezes se valem disso para conseguir o que querem;

– o tédio diário em que se vive, onde raramente nos reconhecemos como produtores daquilo em que trabalhamos. Há autores que afirmam que a subdivisão das tarefas, hoje em dia, propicia uma distância entre a pessoa que o ajudou a produzir e o produto final, acabado e pronto para ser comercializado, seja a área que for;

– há também o tempo em que se gasta com o trabalho, pois com as tecnologias de comunicação, este deixou de ser encerrado na hora do fim do expediente, em muitas profissões. Especula-se que as horas dedicadas ao trabalho nos períodos de 1990 até hoje seja o segundo maior da história, só ficando atrás da Revolução Industrial – quando a ideia que se tinha era de que com o avanço da tecnologia menos tempo seria destinado ao trabalho;

– há também a falta de perspectiva para o país, uma vez que o discurso de sermos o país do futuro está desgastado.

Esses itens e mais uma porção de outros atestam que a concepção predominante de que essa geração não tinha interesse pela politica estava errada. Parece que o mais adequado a dizer no momento é que a juventude está esgotada com o manejo político estabelecido, para o qual a presença política era distante e desinsteressada.

A difusão de propostas e temas a serem questionados sugere levantar a hipótese de que estamos frente a um momento, não apenas no Brasil, embora esse texto diga respeito ao  que acontece no país, de novas possibilidades de organização social cujo aspecto principal seja repensar a democracia no século XXI.

Não será mais possível a manutenção do que foi a democracia no século passado e início desse. Contudo, ainda é impossível encaminharmos qualquer direção sobre o que acontecerá, uma vez que os grupos que estão levantando suas vozes hoje em dias possuem ideias conflitantes, as quais mais adiante terão que ser expostas e debatidas.